de pés quentes

De olhos fechados ouço os ruídos da noite que o meu ouvido infectado me deixa. Sinto as gotas de chuva a caírem sem pressa da caleira, pingam frias e ritemadas como se se tratassem de ponteiros dos segundos de um qualquer relógio de cozinha barulhento. Tenho os pés descalços entre os lençóis, pela primeira vez este ano não estão frios.
A cabeça contra a almofada aguarda o descanso, tento pensar em nada, mas o bailado de sinapses não pàra, quero dormir! Mas quanto mais quero menos consigo (tantas coisas na vida que são assim) quanto mais corro menos me aproximo, quanto mais luto menos venço...
Discuto o destino comigo mesmo sem tirar conclusões. Penso nas decisões do passado e nos destinos paralelos se essas decisões fossem diferentes. Argumento que não me arrependo, mas que se soubesse o que sei hoje as decisões eram outras. Prometo-me que amanhã vai ser diferente.
Volto a prestar atenção à chuva, é agora mais intensa. Um cão ladrã ao longe na madrugada, a chuva abranda. Volto aos meus pensamentos, agora ponho em causa a existência Deus, reformulo, ponho do causa a igreja e as pessoas e volta dela... Estamos quase na páscoa, lembro-me. Ovo e prenda para o afilhado, não posso esquecer.
As andorinhas já se fazem ouvir lá fora, sobrepõe-se o barulho do motor diesel da automotora e das suas rodas de ferro rodando sobre os carris, o maquinista avisa da sua presença fazendo soar a buzina timidamente, parecendo ter cuidado para não acordar os que ainda dormem...
O cansaço está cá, mas não consigo adormecer. Volta a chuva que entretanto parou e nem notei.
Tenho os pés quentes, mas não consigo dormir.