no escuro...

Procuro no escuro um ponto para fixar o olhar, é impossível ver seja o que for, está escuro como o breu. Mas sempre que pisco os olhos tentando focar o escuro "vejo" pequenos pontos brilhantes que na realidade não são mais que defeitos na retina, pequenas cicatrizes que vão marcando a minha história. Pontos e riscos que o cérebro quase ignora a cada instante no processamento das imagens. Como o escuro é ausência de luz por definição dela própria é também ausência da imagem. Assim o cérebro não tem outro remédio que não processar e mostrar-me este ruído. E mostra-o tão bem! Este ruído sem ruído de fundo é iluminado por uma luz interior que só se vê porque estamos privados da imagem maior e mais luminosa. No fundo funciona como um filtro na frente de uma lente fotográfica, tornando única a nossa visão, a maneira como vemos o nosso mundo... Serão estes defeitos físicos da retina o único filtro que temos? Ou todo o nosso cérebro ganhou um "filtro" à medida que fomos crescendo e aprendendo e envelhecendo e mudando como pessoas... Um filtro que deturpa a realidade e nos faz cair em erros e preconceitos. Um filtro que nos defende mas que também nos inibe, e mesmo que aparentemente um individuo não tenha filtro, esse filtro existe, apenas é diferente, coloca sal nas coisas que vê e torna as cores mais vibrantes! Estas lentes "defeituosas" ou melhor: especiais, que todos possuímos,  têm a capacidade de potenciar a nossa visão do mundo simplificando-o ou complicando-o, tornando as pessoas especiais e únicas, únicas como a identidade das lentes que usam, lentes no sentido figurativo porque essas lentes não estão nos olhos, estão cá dentro, e talvez não dentro do cérebro, mas sim dentro do peito, moldadas por vivências experimentadas desde o útero materno.